Havia imensa expectativa. No ano pretérito, o desfile da grife Victoria’s Secret em Novidade York marcaria o retorno da grife depois de cinco anos afastada da ribalta, em meio a uma debacle financeira derivada de uma crise de imagem. A marca foi vítima da postura que a consagrara, com estética notadamente sexualizada — modelos lindas e esguias, que já não cabem no mundo de hoje, de esforço pela heterogeneidade. A retomada foi aplaudida, oferecido o louvável saudação exibido na passarela: mulheres com mais de 50 anos, negras, trans e curvilíneas. Entre as mais festejadas, despontou com elegância a top plus size Ashley Graham, celebrada pela lingerie preta com cobertura esvoaçante.
Que bom. Se até a Victoria’s Secret teve de se reinventar, é porque o universo da voga giraria, enfim, na direção correta. O ano virou, o conservadorismo invadiu a Mansão Branca e, ainda que não se deva pôr nos ombros de Donald Trump a responsabilidade por todas as mudanças comportamentais, há uma tendência na voga que pode ser interpretada porquê uma involução: as mulheres esquálidas e de ossos aparentes estão de volta, porquê se somente os corpos esbeltos pudessem ser respeitados. Adeus ao dissemelhante, portanto.
É sensação atrelada a fotografias de desfiles, ao diz que me diz dos bastidores, mas agora amparada por estatística. Um relatório de inclusão elaborado pelo braço de negócios da revista Vogue dos Estados Unidos agora em 2025 revelou que, entre 8 703 looks de 198 desfiles, somente 2% das modelos eram de tamanho médio. Entre as plus size, o índice caiu a escassos 0,3%, em declínio jacente já há bons anos. Exclusivamente 16% das grifes puseram para caminhar mulheres curvilíneas, em evidente retrocesso. Onde, por fim, estão as curvas, tão necessárias em nome do saudação em sociedade?
É difícil achá-las. A Nina Ricci, antes elogiada por não aderir ao lugar-comum preconceituoso, praticamente sumiu com a turma um tantinho supra do peso. A Givenchy, por meio de Sarah Burton, diretora criativa da etiqueta, expressou a vontade de “festejar a multiplicidade”. Foi mero libido, porque no mundo das coisas reais, em apresentações recentes, entre uma dezena de profissionais, somente uma fugiu do rígido padrão. E mais: Miu Miu, Valentino, Gucci e Schiaparelli, dando de ombros aos tempos atuais, apostaram em clavículas salientes. “O pêndulo balança novamente para o outro lado”, diz David Bonnouvrier, fundador da DNA Model Management. Com um agravante: há doses constrangedoras de originalidade. O que se vê são silhuetas mais amplas, só que em roupas com ombros largos, quadris acolchoados e cinturas marcadas vestindo modelos magras, para dar a sensação de volume. “É um truque para parecer que são mais corpulentas e camuflar o sumiço das plus sizes”, diz Moisés Santos Silva Júnior, da Together Models, filial brasileira especializada em heterogeneidade.
Em tom retrógrado, de mãos dadas com uma série de empresas americanas que abandonaram os programas de certeza, brotou uma outra hipótese para a marcha a ré. Atribui-se a compleição esguia, em secção, ao recorrente uso de medicamentos para emagrecer, em um suposto “efeito Ozempic”, para permanecer com a marca de um dos produtos da família de dietas. “Todas as garotas plus size foram para o tamanho médio por motivo do Ozempic”, afirma Hillary Taymour, estilista da Collina Strada, uma das poucas marcas a ainda apresentar gente porquê a gente nas coleções.

Porquê sempre, ingerir da história é educativo. Houve idade em que o molde de venustidade estava, sim, colado a mulheres curvilíneas de osso e mesocarpo — na Renascença e até a Revolução Industrial, eram sinônimo de prosperidade e de boa saúde, a exemplo das atrizes Lillian Russell e Theda Bara, símbolos sexuais do término do século XIX e início do século XX, de evidentes e saudáveis quilos a mais. O filme mudou com o tempo, é verdade. Nos anos 60, com jeito hermafrodita e silhueta magérrima, a protótipo Twiggy inaugurou uma novidade tendência. Na dezena de 90, foi a vez do “heroin-chic” de Kate Moss, idade estúpida da confirmação do uso de drogas para burilar as anatomias.
Não havia, naquele tempo torto, preocupação com a promoção das diferenças. Hoje, felizmente, há. Por isso é preciso mudar a toada, porquê fez a Victoria’s Secret. O recuo faz mal para a sociedade, principalmente para as jovens que se espelham na voga para erigir suas percepções e anseios sociais. Evidente que as grandes marcas negam o mau passo. Uma porta-voz da Gucci alegou dificuldades para agendar datas com modelos mais encorpadas e assestar os cortes aos corpos delas a tempo para os maiores eventos das passarelas. Haja desculpa esfarrapada.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938