Era a história sendo costurada diante dos olhos da cultura. Quando o estilista francesismo Christian Dior mostrou ao mundo, em 1952, seu padrão La Cigale, de silhueta em forma de ampulheta, com cintura marcada e saia volumosa, lembrando os traços de uma cigarra, a alta-costura inaugurava uma novidade era. Aquela peça de tafetá de seda cinza, um dos ícones do chamado New Look, tiraria o pó das roupas clássicas, de mãos dadas com o moderno e o gravura geométrico. Dior — estudioso do que viera antes dele, sempre sisudo à risco evolutiva de suas criações — logo admitiu inspiração no trabalho do inglês Charles Frederick Worth (1825-1895), possuidor de um ateliê no número 7 da Rue de la Paix. Não por casualidade, mas porquê melancólico símbolo da transição, a loja de Worth, naquele ano, seria vendida pela família do costureiro para um outro grupo francesismo, até fechar as portas definitivamente em 1956.
Worth é um desses personagens pouco conhecidos que, levados à ribalta, inaugura um novo olhar. Uma magnífica exposição no Petit Palais de Paris, Worth — Inventer la Haute Couture, até 7 de setembro, é a um só tempo homenagem reveladora e uma proeza, ao restaurar vestidos de quase duzentos anos puídos pelo tempo, que permaneciam em reservas técnicas. São 400 exemplares, entre roupas, objetos e acessórios. Companheiro dileto da imperatriz Eugênia de Montijo, mulher do imperador Napoleão III, ele inaugurou um estilo — na contramão dos cortes rococós que dominavam o cenário até meados do século XIX — e inventou um modo de apresentar o que produzia, porquê se fosse um influencer de redes sociais avant la lettre. Começou a levar as mulheres para testar o vestuário em seu salão — antes, era tudo feito na discrição dos domicílios. Depois, tratou de fazer com que elas assistissem a desfiles com modelos vivas, e não mais manequins, para espanto generalizado.
Foi revolucionário no traço, mas também no modo pelo qual vendia as coleções, fazendo da voga um negócio, uma indústria que não deixaria de crescer, e hoje movimenta um pouco em torno de 12,6 bilhões de dólares, podendo inferir 15,4 bilhões em 2033, segundo estimativas recentes.

Worth, enfim, deu nome a um pouco que era somente uma sensação, transformando a lida com linhas e linho em vantagem. “As mulheres vêm me ver para pedir ideias, não para seguir as delas”, disse Worth, em 1858, em entrevista a uma publicação escocesa de cunho literário e político, porque as pedras que ele movimentava não se restringiam ao prazer estético da fidalguia. Representavam uma mudança de relevo na sociedade, via para os saltos que viriam depois. Sisudo à engrenagem econômica do Segundo Poderio, de prosperidade, ele passou a assinar suas criações com etiquetas manuscritas, porquê faziam os pintores em telas. “Ele se intitulava um artista, e desde logo a voga também passou a ser tratada porquê arte”, diz Brunno Almeida Maia, pesquisador de teoria da voga da Universidade de São Paulo. As etiquetas também serviriam a outro propósito: evitar as falsificações.
No caminho, fundou a Chambre Syndicale de la Haute Couture, que continua sendo o órgão regulador da voga na França, Ali, estabeleceu práticas que hoje são consideradas padrão, porquê a confecção das peças feita 100% a mão, o que concede caráter restrito às produções, sinônimo de preço tá e, é evidente, qualidade. No ritmo da sociedade que ganhava velocidade com a industrialização, porque os relógios pareciam passar mais velozes, Worth teve ainda uma outra sacada, inédita: executar os serviços em menos de 24 horas, para euforia de quem queria perambular em Paris e alhures, de elegância à flor da pele. No auge da House of Worth, porquê foi batizada em inglês, para inferir britânicos e americanos, havia 1 200 funcionários, divididos entre os que operavam máquinas de costura e os que faziam o trabalho artesanal com minuciosa atenção aos detalhes, sem o qual tudo se desfaz. O “pai da alta-costura” é o início do fio da meada de uma formosa façanha da humanidade. É o luxo traduzido em bom palato.
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2025, edição nº 2944